quarta-feira, 18 de junho de 2008

O destino

Destino

tarot_cards_by_decima



Caminhou por várias quadras com o pequeno pedaço de papel em suas mãos, olhando constantemente para ele, precisava saber se estava seguindo o caminho certo. Segurava-o como se fosse um precioso tesouro, a passagem para o paraíso.

Cabelos ao vento, o sol por entre as árvores tocando de leve seu rosto como um doce afago, como dedos quentes e macios, os quais faziam tanta falta a ela. Gostava de sentir-se aquecida por aquela imensa estrela matutina, por aquele brilho todo que fazia com que ela se sentisse viva e parte do mundo.

Faltavam poucas quadras agora, era apenas uma questão de tempo até ela finalmente ter as merecidas respostas. Tinha em si todas as perguntas do mundo, mas nem sequer uma resposta. Mas com certeza aquele lugar teria as respostas, com certeza elas estariam todas lá, esperando pela sua visita, pelas perguntas certas.

Era ali, lá estava ele, o pequeno portão que dava para um estreito e longo corredor cujo destino final seria uma casinha simples, com a pintura das paredes desgastada pelo tempo e levemente embolorada.

Respirou fundo, olhou para o papel novamente e depois para o número da casa. Era mesmo o lugar certo, sem dúvida alguma.

Bateu palmas a fim de desviar a atenção de algum habitante da casa para a sua presença.

Não era o tipo de pessoa que gostava de chamar ou gritar nomes. E por fim, após longos cinco minutos de palmas foi atendida por uma senhora de cerca de 60 anos que perguntou o seu nome e pediu pra que ela entrasse.

Ao adentrar a sala e sentar-se no sofá velho ela logo percebeu que se tratava de uma casa sem nenhum tipo de luxo. A decoração da casa era baseada em bibelôs mal pintados, fotografias pintadas à mão, almofadas coloridas e uma cortina florida dentre outras coisas que deixavam mais que claro o fato de se tratar de um lar simples, de pessoas simples e humildes.

Ela esperou pacientemente a hora certa, com as mãos sobre os joelhos, olhando pra uma criança de cerca de dois anos que brincava dentro de seu berço, e analisando cada pequeno detalhe daquele cômodo que agora se revelava como uma nova aventura e lugar a ser descoberto por ela. Como se ao passar por aquela porta tivesse adentrado um mundo que era completamente diferente do seu. Coisas novas despertavam sua curiosidade, e ela, educada, mascarava isso com um contido sorriso no rosto, que aos olhos de um estranho nada mais era do que um agrado ou simpatia.

Não demorou muito para que uma moça descesse as escadarias em direção a ela. Era jovem e parecia ter uns trinta anos no máximo, tinha um ar de menina-mulher, cabelos longos, olhos escuros. Totalmente diferente do que ela havia imaginado que encontraria. Sua fértil imaginação esperava por uma senhora de cabelos quase completamente brancos, com um ar de sabedoria e mistério, o que fez com que ela sentisse um certo desapontamento seguido de mais e mais curiosidade.

Os milhares pensamentos encerraram-se no exato instante em que ela ouviu a jovem dizer a ela “Está pronta? Vamos?”. Só então se deu conta de que não estava paciente, estava na verdade demasiadamente ansiosa e tensa, e que o nó no estomago estava lá mais uma vez, consumindo-a.

Será que estava pronta? Não sabia. Mas era uma decisão sem volta agora, ela já caminhara até ali, e não podia expressar medo, ou surpresa, ou o que quer que fosse. Tinha de ser uma estatua, um enorme pedaço de cerâmica, tinha que ser fria e inexpressiva, qualquer reação poderia colocar tudo a perder, poderia mudar tudo.

Subiu as escadarias tentando conter o tremor das mãos e pernas, tentando lutar contra o nó, e equilibrando em si a curiosidade e o medo do desconhecido. As escadarias levavam até uma porta, e atrás desta havia o quarto.

A jovem abriu a porta e pediu pra que ela entrasse, e quando se deu conta suas próprias pernas já haviam feito com que ela chegasse à cama, na qual já estava sentada. Foi tudo muito rápido, ela mal conseguia se lembrar como fora parar ali. Estava realmente tensa.

“Não cruze as pernas e nem os braços, por favor”. Disse a jovem olhando-a nos olhos. E ela como muito pouco entendia daquela situação, descruzou-os.

O quarto era pequeno, branco e desgastado como a sala e o lado de fora da casa. Tinha alguns quadros pendurados na parede, não eram belos, e nem dignos de muita atenção. A sua atenção na verdade estava dividindo-se entre a cômoda que fazia parte do plano de fundo, repleta de imagens de anjos e santos, e a jovem dos cabelos longos que estava sentada bem de frente pra ela, em uma outra cama.

Entre as duas havia uma pequena mesinha, da altura de seus joelhos mais ou menos.

Percebeu que aquele era o momento em que finalmente as respostas viriam até ela.

Percebeu, pois a jovem jogava sobre a pequena mesinha uma toalhinha repleta de estampas e crochês. E logo em seguida abriu uma caixa de onde tirou o precioso bem, o instrumento da verdade, o que naquele instante ela enxergava como um oráculo.

Não, não era apenas um baralho, não era como aqueles baralhos de mesas de bar e de praças públicas. Era a fonte mágica que jorrava respostas se fossem feitas as perguntas certas. E ela tinha milhares de perguntas.

“Corte com a mão direita”. Disse a jovem enquanto embaralhava a pilha de cartas e passava esta dentre outras instruções a ela.

“Há algum tipo de assunto sobre o qual você não queira saber?”.

“Saúde”. Respondeu timidamente, fixando seus olhos nas cartas do baralho.

Depois disso cortou inúmeras vezes o baralho, em cada momento pensando em um aspecto de sua vida, em uma pessoa, em um sentimento ou pergunta.

E aparentemente descobriu que a estrela da fortuna praticamente brilhava em sua direção.

Teria sucesso profissional, teria dinheiro, as pessoas a invejariam.

Mas nada disso importava, o que a preocupava era seu coração, seu pobre, frágil coração solitário, carente de um amor de verdade.

Ela era bela, extremamente bela, cabelos escuros, olhos claros, um rosto de menina, corpo bem moldado de mulher. Não era difícil arranjar companhia, difícil mesmo era amar. Uma noite ou duas nunca foi o bastante. Ela queria sentir-se amada, verdadeira e intensamente amada.

Então a jovem cartomante embaralhou mais uma vez o baralho. Tensa ela cortou-o com a mão direita, pensando que não podia errar no corte, caso contrário seu destino mudaria juntamente com a altura do corte.

Três cartas sobre a mesinha. Olhava pra elas sem saber o que pensar e o que elas diziam.

Lutava para manter a semblante calmo, o rosto inexpressivo.

“Ele vem de longe. É diferente de você, muito diferente. É calado, tímido, ar sério. Tem cerca de uns 26 anos, já é um homem. Acontecerá tudo muito rápido, quando vocês perceberem já estarão noivos, logo casados e com filhos. Apesar de totalmente diferentes, vocês irão equilibrar-se num contraste divinamente perfeito”.


“Muitas mulheres irão tentar tomá-lo de você, mas ele só terá olhos pra você, ele irá amá-la intensamente, com todas as forças de seu coração, e nunca olhará pra outra mulher”.


Bastou a ela ouvir aquilo para que seu peito se enchesse de esperança. Naquele exato instante, em algum lugar no mundo vivia a pessoa perfeita pra ela. E ela perguntava-se como ele seria, como seria seus olhos, seu cheiro, seu sorriso. E pensar nisso fazia com que ela quisesse sorrir, abrir um sorriso do tamanho do universo, mas não podia, devia conter a felicidade que gritava incessantemente pra sair, devia manter-se inexpressiva por apenas mais alguns minutos, caso contrário a jovem cartomante poderia usar aquilo a seu favor.

Depois disso não ouviu mais nada, qualquer previsão ou resposta não lhe importava mais, sabia o que queria, não ia envelhecer sozinha. Sua vida não seria uma busca eterna pela outra metade, pelo contrário, ele estava a caminho, e a encontraria em breve, a salvaria do vazio.

Pagou o preço justo pelo doce destino revelado, desceu as escadarias, atravessou o estreito corredor e logo estava novamente na calçada. De volta ao seu velho-novo mundo.
Sentia o vento em seus cabelos, e o sol em seu rosto doce, aquecendo-a, da mesma forma que um dia Ele faria. E sorriu, sorriu colocando pra fora a felicidade gritante que a habitava, mostrando ao mundo que se sentia esperançosa, que se sentia viva.

Estava consciente de que nunca mais voltaria ali, nunca mais veria a jovem cartomante. Ela já tinha o seu destino, e estava perdidamente apaixonada por ele, não precisava de outro diferente desse.

Muitos meses se passaram, e em uma noite de sexta-feira ele finalmente apareceu na vida dela. Eles amaram-se desde o primeiro instante. E o amor foi crescendo, crescendo, e seguindo rumo ao destino que previu a jovem cartomante.



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Comentários:

A magia existe enquanto um conhecimento que não temos a respeito do mundo se mantém encoberto. É dela que vem aquele fascínio infantil que nos invade quando estamos diante de uma coisa que não entendemos e que aos nossos olhos parece tão fantástica. O destino é uma dessas "coisas fantásticas". Alguns o consideram uma força, outros uma entidade a tecer uma colcha de retalhos sem começo nem fim. Mas no fundo, não importa. O que realmente importa é que ele ainda é algo que não conhecemos totalmente, e que muitas pessoas tentam entender através de técnicas pra obter algumas dicas diretamente dele, sobre o que ele pretende fazer com alguns dos retalhos que compoem essa enorme colcha. As cartomantes podem ser vistas como uma dessas pessoas que tentam desvendar o funcionamento do destino. Claro que há as charlatãs, mas, se o destino é algo que se mostra tão presente em nossas vidas, ele pode perfeitamente ser uma força/entidade que, aos poucos, a gente passa a entender. Mas isto não tira de nós o poder de moldá-lo. 


Rodrigo Ferreira | 18-06-2008 16:50:32 

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