terça-feira, 10 de junho de 2008

A cura

A Cura


White Lilacs de the pearl-piper

Inclinou o corpo cansado, ofegante, e colocou as mãos sobre os joelhos tentando recuperar as forças e a respiração. Estava diante da cabana, finalmente.

A floresta era densa, as copas imensas permitiam que apenas pouquíssimos feixes de luz chegassem ao solo. Havia uma grande quantidade de arbustos repletos de espinhos, galhos e folhas secas cobrindo todo o chão.

Seu desespero era imenso, corria desesperadamente, enxergando apenas borrões. Enroscou-se em um galho e caiu em meio aos arbustos espinhosos, arranhou-se todo tentando sair da armadilha natural. Não havia tempo, retomou a corrida, agora com os braços, pernas e rosto cortados e sangrando, mancando. Não podia desistir, não agora que havia ido tão longe.

As pernas começavam a ceder, corria aos tropeços, apoiando-se nas árvores, tentando manter sua respiração controlada. Doía-lhe o corpo, tinha as largas vestes rasgadas, mas acima de qualquer coisa estava determinado, sabia exatamente qual era o seu destino, apesar do corpo fraco o coração ainda mantinha-se forte.

Parecia que ele podia ouvir o som da cachoeira. Ainda que distante isso lhe renovou as forças e fez com que corresse mais e mais rápido rumo a sua água cristalina na qual banhavam-se as borboletas e beija-flores.

À medida que avançava as árvores começavam a ficar mais e mais escassas e floridas, o que no primeiro instante fez com que ele diminuísse a velocidade e logo estava apenas mancando e apreciando as lindas copas repletas de flores, como um enorme acolchoado divino, rosas, laranjas, amarelas, azuis e violetas. E o perfume, ah o perfume, era embriagador.

Sentia-se caminhando sobre as nuvens, no paraíso, a grama fofa sob seus pés, as flores que mais pareciam um acolchoado de nuvens sob forma de flor, regadas de borboletas e beija-flores. Estava hipnotizado pela beleza quando se lembrou da cabana. Céus, como pôde se esquecer? A cabana, o destino, a cura.

E pôs-se a correr novamente, e aos poucos as lindas flores celestes foram ficando pra trás junto com seu perfume embriagador. E o som da cachoeira foi aproximando-se cada vez mais e mais de seus ouvidos, no início como um doce sussurro e logo como uma canção. Uma doce canção, uma canção de amor.

O próximo desafio era encontrar o lugar certo, a entrada secreta da gruta que levava a cachoeira. Tentava lembrar-se, ele a vira em seus sonhos, mas era algo tão vago em sua memória, faltava algo e ele sabia disso.

Analisou cada pedacinho da paisagem que estava diante dos seus olhos, o paredão de rochas gigantesco, coberto por heras venenosas, as pequeninas flores branquinhas no chão, e o som da cachoeira, exatamente como no seu sonho. Fechou os olhos, e deixou-se guiar pelos instintos, pelo olfato, audição, e principalmente, deixou-se guiar pelo seu desejo de conseguir aquilo que o levara até ali. E finalmente, sob inúmeras camadas de heras encontrou a entrada da gruta.

E lá estava ela, finalmente, a cachoeira de água cristalina, parte da cura, da salvação. E nas rochas próximas a ela um raro tipo de flor, uma linda flor branca e rósea de um perfume sem igual, um perfume que nunca sentira em toda sua vida. E essa tão preciosa e rara flor era exatamente o que o levara ali.

Apanhou um bocado delas, colocou em sua bolsa, e encheu seu cantil com aquela água extremamente pura. E apesar de cansado, e admirado com toda a beleza e paz que aquele lugar trazia, ele sabia que era hora de partir e que seu caminho seria longo, e o anoitecer estava por vir.

Voltou correndo o máximo que pôde, a dor na perna era mais intensa agora, e já não conseguia mais correr no mesmo ritmo de antes. Usava os braços para afastar os galhos, e constantemente olhava para a bolsa a fim de saber se a água e sua rara flor não sofreram nenhum dano.

O sangue há muito já havia coagulado, novos cortes foram feitos, e novos rasgos em suas vestes, mas não se importava com isso, era irrelevante.

Já estava novamente em meio à parte densa da floresta, e a noite chegara rápido demais, pensamentos sombrios começavam a querer dominar sua mente, e ele cansado, surrado pela floresta sentia uma dificuldade tremenda em não se entregar a eles. Apavorado, correu mais e mais gastando assim as suas últimas energias.

Sentia-se cego, estava sendo guiado apenas por seu instinto e necessidade de encontrar a cabana. Perdera a noção de distância. Quando...

Inclinou o corpo cansado, ofegante, e colocou as mãos sobre os joelhos tentando recuperar as forças e a respiração. Estava diante da cabana, finalmente.

Abriu a porta ansiosamente, ela ainda estava lá, deitada na rústica cama, doente.

Procurou pela cozinha um vidro qualquer, colocou as flores, macerou-as o máximo que suas mãos cansadas e doloridas conseguiram, e misturou-as a pura água da mais bela cachoeira que já vira. Aproximou-se da cama vagarosamente, sem fazer nenhum ruído, ela ainda respirava, fraca e quase imperceptivelmente.

Deu-lhe de beber o remédio, tomando cuidado para que ela não se engasgasse. E esperou, esperou a noite toda ali acordado ao seu lado, qualquer sinal de melhora. E ao nascer do sol, finalmente o corpo dela cedera, e ela morreu ali.

Quando se deu conta, num ato desesperado aproximou-se do corpo dela, e sacudiu-o firmemente, gritando que ela precisava abrir os olhos, que ele precisava vê-los novamente, que ela não podia deixá-lo sozinho, que era injusto demais.

Ele falhara, talvez se tivesse corrido mais, se esforçado mais, talvez se não tivesse sido hipnotizado pela beleza daquelas flores, talvez tivesse chegado a tempo de salvá-la.

E gritou, urrou de sofrimento, de tristeza amarga, abraçado ao corpo dela. Debateu-se, era inútil.

Abriu os olhos assustado, não sabia onde estava. Olhou ao seu redor, ainda perdido e suado, e aos poucos foi reconhecendo aquele cômodo. Ainda estava no apartamento, e ao seu lado ela dormia tranqüila, era apenas um sonho, um sonho ruim. Abraçou-a devagar, e quando as suas batidas cardíacas normalizaram-se, finalmente voltou a dormir.



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Comentários:

Tenho uma teoria sobre o significado da busca infrutífera do protagonista. Acredito que a mulher que ele tão desesperadamente tentava curar já estava "partindo" no instante em que a deixou repousando na cama da cabana, e que enquanto ele enfrentava tudo aquilo, de alguma forma misteriosa ela ia preparando todo o caminho pelo qual ele iria passar, espalhando um pouco de sua própria beleza, para sua busca não ser em vão. Ele acaba se sentindo tão atraído pelas flores, e pela beleza de tudo porque ali estava parte da beleza de sua amada, q o presenteava uma última vez com um pouco de si mesma, espalhando-se pela floresta. Mas, resta um enigma no sonho, que talvez possa servir como matéria-prima para um próximo texto: qual era o sonho que ele sonhava dentro do sonho, que lhe indicou o caminho da cura? Fiquei bastante curioso pra saber qual era quando o li pela 2ª vez. É algo a se pensar. Contos podem ser mais "perigosos" que longas histórias, pelas sementes que vão lançando pelo caminho, quase aleatoriamente. 


Rodrigo Ferreira | 11-06-2008 17:38:17 

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