domingo, 9 de dezembro de 2012

Estou namorando!

Dama de Copas (por Daniel Scart)



A verdade é que raramente falo diretamente de mim mesma nesse espaço, claro que quando se escreve um pouco da gente sempre vai pro personagem, seja o jeito de amarrar os sapatos, ou a mesma comida favorita, um bom filme, uma memória- lembrança escondida no meio da história, mas raramente uso a primeira pessoa por aqui, deixo pra viver no mundo real sem repetir palavras, e dou vida a várias versões minhas que é bem mais divertido.

Mas dessa vez resolvi contar um pouquinho de mim, e uma coisa em especial, que é um acontecimento muito recente em minha vida. Estou namorando! Isso mesmo que vocês leram, ESTOU NAMORANDO! Provavelmente esse é uma daqueles momentos em que você está se fazendo uma dessas perguntas “Com quem?” ou então “E daí?”. Saiba apenas que a resposta pra essas duas perguntas é no mínimo peculiar.

Creio que deva começar do principio. Há alguns meses me mudei pra São Paulo com meu namorado e claro que morando juntos praticamente nos casamos, bem, nos casamos apesar de não haver nenhum papel assinado que dissesse isso (Quem precisa de um papel? Bem não era o nosso caso). Sempre fomos demasiadamente felizes, o casamento é realmente uma coisa mágica quando o deixamos ser!

Mas como toda história, às vezes as coisas mudam e só não dão certo. E por isso não faz muito tempo que nosso casamento acabou. E de início posso dizer que a minha vida tornou-se um inferno e eu me senti caindo por meses em um poço sem fundo que parecia infinito. Dias terríveis vieram depois disso, e chorar todos os dias tornou-se uma prática tão natural que apenas parecia errado não fazê-lo.

No entanto eu não estou aqui para contar-lhes como foi o meu abismo pessoal, mas sim essa curiosa novidade: Estou namorando!

E por isso vou começar respondendo a parte do “Com quem?”. Bem, meu caro leitor, estou namorando COMIGO! Isso mesmo! Pode soar absurdo, mas depois de dias sofrendo eu me dei conta que a saudade maior que eu sentia era de mim mesma, essa pessoa incrível que sou (ou que supostamente pelo menos eu preciso achar que sou). E quando me dei conta disso, entrei em um relacionamento sério comigo, que envolve muitas coisas, mas principalmente me amar, e fazer com que eu me sinta amada.

No começo parecia estranho passar tanto tempo sozinha, mas a verdade é que quando eu menos esperava me dei conta de que eu era a minha melhor companhia, minha melhor amiga, eu compreendia como ninguém meus pensamentos, meu tempo e as minhas vontades, e passei a respeitar tudo isso de modo que fiquei em paz comigo.

E aquela pessoa que chorava todos os dias, passou a chorar bem menos, a ler livros praticamente todo o tempo, buscar por coisas novas, retomar paixões. Sim eu fiz vários cursos, comida japonesa, alimentação detoxificante, alimentação consciente, curso sobre o poder dos sucos, enfim, eu sou apaixonada por cozinhar e comer, nada mais óbvio do que procurar por tudo isso.

Mas, além disso, comecei a ler sobre meditação, voltei a escrever, decidi voltar a tocar violão, pensei que adoro desenhar então resolvi fazer um curso para aprimorar as técnicas e entender os conceitos, e li, li e li, cada vez mais e mais, sobre coisas variadas. Voltei a usar batom e brincos que estavam engavetados, comprei um violão novo, comecei a usar roupas que faziam com que eu me sentisse bonita, passei um feriado na praia com amigos, me comprei duas faixas de cabelo, fiz coisas bobas, saí pra beber quando me chamaram, dormi na casa de amigas, revi amigos, voltei a falar com pessoas com quem não conversava há anos...

E por fim, arrumei um novo lar, para o qual me mudarei em breve.

E agora eu respondo a outra pergunta “E daí?”. E daí que a vida segue, ela não espera a gente sarar pra continuar. Durante esse tempo que passei triste eu me dei conta de quantas pessoas no mundo gostavam de mim e queriam meu bem, inclusive meu ex-marido que é uma pessoa extremamente especial com quem adoro conviver pra ser sincera.

E daí que nem sempre as coisas vão ser como a gente quer, mas isso não quer dizer que a gente precisa parar, ou então deixar de viver por causa disso. E daí eu escolhi ser feliz, e namorar comigo, me amar, me conhecer, me dar a chance de ser uma pessoa melhor pra mim e pros outros. Encontrar a minha paz em mim!

Se algum dia algum relacionamento não deu certo pra você, acredito que de certa forma você irá entender tudo isso que disse. Só não deixe de acreditar no amor porque ele não parou de acreditar em você, quando você se der conta disso, vai perceber que o amor vai muito além de um relacionamento que não deu certo.

(Deixo aqui um agradecimento especial ao artista que criou essa imagem, meu artista favorito Daniel Scart, ou cafezim como gosto de chamá-lo. É a representação mais doce que alguém já fez de mim. Obrigada cafezim, pelo presente mais do que especial).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

In utero

Jellyfishbolw (por Sylphielmetallium)


Percebeu que não se recordava mais como chegara até ali, qual caminho a levara para dentro daquilo que agora considerava como “voltar ao útero”, no entanto não havia nada de materno naquilo tudo, pelo contrário, era a sensação de habitar o próprio útero.

Dias e dias seguiu conversando consigo mesma, ouvindo sua própria voz somente, suas próprias palavras e pensamentos. E no inicio isso tudo soava bobo, e inútil, soava entediante falar consigo mesma por horas a fio e revirar pensamentos em busca de assunto.


Depois veio o silêncio, a distração, por horas e horas, que se estenderam para dias, semanas, e um tempo que nem era mais capaz de contar, mas que lhe parecia uma eternidade. E às vezes cogitava dizer qualquer coisa, cantar uma canção, apenas pra ter a certeza de que a voz ainda existia, de que ainda tinha o mesmo som. Queria gritar, mas faltava-lhe a voz.

Sem noção de tempo e voz, veio a revolta, o medo e desespero. A sensação de esquecimento ainda persistia, não sabia como chegara ali, não sabia o porquê. No entanto permanecia a sensação de que era errado lutar contra aquilo tudo, querer sair antes do momento certo. E olhar pra fora era inútil, não havia nada lá fora.

Outras eternidades passaram, outros sentimentos foram e voltaram, e se foram novamente. E quando tudo parecia perdido, quando tudo parecia silencioso demais, deu-se conta de que estava olhando na direção errada, precisava olhar pra dentro, pra dentro de si, de sua mente, de seu coração, precisava entender as marcas que agora havia na sua alma pra finalmente entender como fora parar ali, e quais eram as razões daquilo tudo.

Foi então que fechou os olhos, e mesmo sem saber rezar fez uma prece, pedindo a qualquer divindade que fosse que se fizesse luz dentro de si pra que pudesse enxergar os caminhos, que lhe concede-se serenidade pra ver e aceitar tudo que estava por ser visto. E milagrosamente aconteceu.

Lembrou-se dos medos, de todas as mudanças, e de sentir-se congelada diante delas. Lembrou-se de toda a confusão, das inúmeras possibilidades de escolha. E tudo parecia tão rápido, borrões que passavam por ela em alta velocidade enquanto ela continuava estagnada na plataforma do medo, temendo por uma má escolha ou por arrependimentos.

E de repente percebeu que voltara ao útero, seu próprio útero. Percebeu que estava se protegendo de si mesma, de todas as dúvidas, de todos os temores. E só então se deu conta de quanto se amava, de que se aceitava e entendia como ninguém jamais o faria, e que mudanças sempre ocorreriam que era apenas questão de tempo pra se adaptar, pois elas eram necessárias. Não havia mais nada a temer, ela era sua casa, sempre teria a si mesma.

Logo uma luz forte surgiu, cegando-a. O útero acabara de se romper, nascia uma nova mulher.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Fênix

Fenix (por sasuke1977)


Quando me dei conta já não me reconhecia no espelho. Nada mais estava lá nem o sorriso, o brilho, os sonhos e a fé na vida. Era apenas um fragmento de mulher, um caco de um vaso quebrado, um caco de vaso vazio.

Não havia mais nada para se admirar, não havia planos, nem ambições. Passei tanto tempo sendo vítima do sofrimento onde me prendi que só não conseguia mais reconhecer a liberdade e a necessidade de mudança.

Confundiram-se os tempos, passado, presente, futuro eram apenas uma reta qualquer onde não era mais possível identificar o início e o fim de cada um deles.

Por fim sozinha, sem vontade de me reinventar, vi os dias passando diante dos meus olhos e eu era apenas uma assombração, um esboço de pessoa vagando entre as horas a espera de alguém pra me encontrar.

Não, não fui encontrada por ninguém, E sozinha no meu mundo fui inventando versões de mim, versões que tinha um final menos infeliz que o meu. No meu silêncio criei esse universo que crescia na minha cabeça e coração e que de tão imenso gritava por sair, por se libertar.

Nascia das cinzas a fênix, com a crença de que as mudanças não deviam ser temidas. Era apenas o começo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Delirium

Delirium (por Jacob Ankney)



Abriu a porta do banheiro, rejeitando o fato de que ele estava tomando banho, de que ia se molhar toda, de que aquele não era o momento. Abriu as portas do que agora era seu pequeno paraíso, pois era onde ele estava abrigado. Rejeitou o tempo, o medo, o adeus. Deixou a música entrar na sua alma, e o beijou, como se fosse a primeira vez, como se fosse a última.

E o tempo parou, o mundo se desfragmentou. Sentia o mesmo frio na barriga da primeira vez, o calor no coração. A mente indo pra longe, longe num lugar onde só havia paz, onde só havia amor. E foi feliz, por um segundo eterno foi feliz.

Até se dar conta de que estava apenas diante da tela, escrevendo apenas mais uma das cenas que só iria acontecer dentro da sua cabeça.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O feto

Fetus por Pon-Pon-Cho



No início era apenas um leve incomodo uma pequena dorzinha causada provavelmente por algo que havia comido. Foi exatamente isso que ela pensou. Mas quando se deu conta, a situação havia se estendido por dias, semanas, e a pequena dorzinha agora piorara exponencialmente e ela mal conseguia andar.

Sentada em sua cama, perdida em pensamentos, repassou cada ação, cada momento, tentando entender o que fizera com que ela chegasse até ali, naquele estado. E era difícil entender, era difícil se lembrar, estava tudo confuso, a dor não ajudava a pensar. Precisava de anestésicos, analgésicos, pílulas, antiácidos, qualquer coisa, qualquer coisa que amenizasse aquilo, qualquer coisa que a ajudasse a pensar, qualquer coisa.

Começou a tombar o corpo devagar, foi deitando-se aos poucos, encolhendo-se, tentando fugir da dor, tentando encurralá-la apenas num canto de si. E por fim, recostou a cabeça no travesseiro e ficou ali, como um feto. Sim um feto, mas um feto sozinho, sem nada mais que o ligasse ao mundo.
Entre muito esforço e uma dor indescritível, ela começou a se lembrar de como chegara ali. E aos poucos a visão era tão clara que teve a sensação de ter voltado a viver no passado.

E lá estava ela, sentada sobre as malas num terminal distante de casa, esperando por ele. Depois disso tudo eram apenas flashes, o beijo, o balanço, ela sentindo-se voar, os dois fazendo amor, os banhos, ele chorando, sua mão no vidro do ônibus, ela chorando, reencontros raros, despedidas dolorosas, o medo, a distância, a distância aumentar, e dor, dor e mais dor, dor e lágrimas. E aos poucos se deu conta de que voltara ao presente, à cama, a posição fetal, as paredes frias do seu quarto, a sua solidão.

Não, não era ele o culpado, era a distância, os sonhos que as poucos foram morrendo, o vazio do apartamento, os medos, a ausência, o buraco, o oco que a habitava. Era a solidão, sempre a solidão. As lembranças, que eram apenas lembranças e nada mais. Era o amor agonizando, lutando com as últimas poucas forças que lhe restava, era a chama que aquecia seu peito apagando-se aos poucos.

Era isso, era por isso que estava morrendo devagarzinho. Era por isso que sentia aquela dor insana, insuportável. E não havia nada a ser feito, nada.

Encolheu-se um pouco mais, e mais, e por fim, com as últimas forças que lhe restava, levou sua mente pra longe, bem longe, numa época em que nem ao menos havia nascido. E ali ficou, como um feto, esperando um dia renascer.

sábado, 20 de outubro de 2012

Folhas ao vento

Folhas ao vento

Colours of the Wind por Andrew Hunter


Apagou inquieta mais uma vez, rabiscou o papel irritada. Não, não e não, estava tudo errado, ela sabia. Como poderia escrever algo decente se não sabia nem ao certo por onde começar, sobre o que falar. Talvez não tivesse nada a dizer, era apenas uma poetisa fracassada.

Suspirou. 'Bons tempos aqueles em que as palavras pareciam transbordar de meu peito rumo as minhas mãos. Doidas por atenção, querendo ser escritas a qualquer custo. Bons tempos'. Suspirou.

Caminhou inquieta pelo quarto, andou durante muitos minutos em intermináveis círculos imperfeitos. Por fim, sentou-se na cama, e após dias, abriu a janela.

Logo de início foi cegada pela luz, não tinha ideia de que já era manhã.

Era uma linda manhã na Terra do Pra Sempre. Os habitantes da aldeia onde morava a poetisa sorriam sem parar, e andavam de um lado para o outro cumprindo orgulhosamente suas tarefas cotidianas, saudando os amigos, parando vez ou outra pra um dedinho de prosa.

O sol iluminava fortemente os Eucaliptos, e o vento da manhã fazia-os dançar de forma sincronizadamente perfeita. Quisera eu ser uma folha ao vento, pensou a poetisa.

Não demorou muito pra que notasse o imenso arco-íris feito de borboletas de todas as cores que existiam. E a magia dos beija-flores, bem como o perfume das flores, o orvalho no capim, o cheiro de pãozinho pronto, o aroma do café, a vida se fazendo em cada milésimo de segundo diante de seus olhos. As pessoas felizes, construindo o seu agora e seu futuro.

Olhou mais uma vez pro pedaço rabiscado de papel. Olhou pra janela.

Pros diabos o papel, a poesia, vou lá pra fora viver, pensou ela. E saiu em direção a porta, abriu um enorme sorriso, cumprimentou os amigos, e ficou brincando de ser folha ao vento.