Fetus por Pon-Pon-Cho |
No início era apenas um leve incomodo
uma pequena dorzinha causada provavelmente por algo que havia comido. Foi
exatamente isso que ela pensou. Mas quando se deu conta, a situação havia se
estendido por dias, semanas, e a pequena dorzinha agora piorara exponencialmente
e ela mal conseguia andar.
Sentada em sua cama, perdida em
pensamentos, repassou cada ação, cada momento, tentando entender o que fizera
com que ela chegasse até ali, naquele estado. E era difícil entender, era
difícil se lembrar, estava tudo confuso, a dor não ajudava a pensar. Precisava
de anestésicos, analgésicos, pílulas, antiácidos, qualquer coisa, qualquer
coisa que amenizasse aquilo, qualquer coisa que a ajudasse a pensar, qualquer
coisa.
Começou a tombar o corpo devagar, foi
deitando-se aos poucos, encolhendo-se, tentando fugir da dor, tentando
encurralá-la apenas num canto de si. E por fim, recostou a cabeça no
travesseiro e ficou ali, como um feto. Sim um feto, mas um feto sozinho, sem
nada mais que o ligasse ao mundo.
Entre muito esforço e uma dor
indescritível, ela começou a se lembrar de como chegara ali. E aos poucos a
visão era tão clara que teve a sensação de ter voltado a viver no passado.
E lá estava ela, sentada sobre as
malas num terminal distante de casa, esperando por ele. Depois disso tudo eram
apenas flashes, o beijo, o balanço, ela sentindo-se voar, os dois fazendo amor,
os banhos, ele chorando, sua mão no vidro do ônibus, ela chorando, reencontros
raros, despedidas dolorosas, o medo, a distância, a distância aumentar, e dor,
dor e mais dor, dor e lágrimas. E aos poucos se deu conta de que voltara
ao presente, à cama, a posição fetal, as paredes frias do seu quarto, a sua
solidão.
Não, não era ele o culpado, era a
distância, os sonhos que as poucos foram morrendo, o vazio do apartamento, os
medos, a ausência, o buraco, o oco que a habitava. Era a solidão, sempre a
solidão. As lembranças, que eram apenas lembranças e nada mais. Era o amor
agonizando, lutando com as últimas poucas forças que lhe restava, era a chama
que aquecia seu peito apagando-se aos poucos.
Era isso, era por isso que estava
morrendo devagarzinho. Era por isso que sentia aquela dor insana, insuportável.
E não havia nada a ser feito, nada.
Encolheu-se um pouco mais, e mais, e
por fim, com as últimas forças que lhe restava, levou sua mente pra longe,
bem longe, numa época em que nem ao menos havia nascido. E ali ficou, como um
feto, esperando um dia renascer.
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