terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Lembrança

Lembrança

Cachoeira 2 by k-e-n-i-c-h-i

Olha para os lados e vê-se diante da completa escuridão. Seria isso o nada? Ele pensa.
Seu coração está acelerado, começa a respirar cada vez mais e mais rápido, incomodado com aquela escuridão toda corre em direção ao que julga ser um caminho, mesmo sendo incapaz de vê-lo.

Aquilo não podia ser o nada, ele sentia seus pés no chão, o chão era alguma coisa, pensava ele. Aquilo não era o nada, não podia ser. E prosseguiu a caminhada, com passos receosos rumo ao desconhecido, a qualquer coisa que indicasse a presença do mínimo de luz.

Sente o vento bater fortemente no seu rosto, e só então percebe que está caindo. Entra em pânico, pensando em breve estar preste a esborrachar no chão. Quando de repente...

... De repente surge o clarão, cegando-o, e percebe que tem enormes asas, asas de borboleta. Não está mais caindo agora, está voando em círculos, perdido. A luz é intensa demais para seus olhos e por instantes sente falta da escuridão de segundos atrás.

Fecha os olhos com força, e voa seguindo seus instintos, na esperança de que seja conduzido pra algum lugar que prove que ele não está diante do nada e nem sozinho. E a sensação era maravilhosa, estar com os olhos fortemente fechados, enxergando apenas um vermelho bem fraco, fruto de toda aquela luz e o calor que emanava dela. Era como voltar à segurança do útero.

Quem dera não tivesse sentido a enorme pancada, e aberto tão repentinamente os olhos a ponto de ficar zonzo, pensou. Mas quando tudo começou a tomar forma, foi mágico. Eles estavam bem pertinho dele, formando um círculo ao seu redor, e eram lindos. Enormes e majestosos elefantes coloridos, com asas pequenininhas, porém fortes o bastante pra sustentar todo aquele peso.

“Machucou-se?”, um deles perguntou.

Mas ainda estava se recuperando da queda e maravilhado demais pra responder o que quer que fosse.

Apenas minutos depois percebeu o gramado macio feito pluma, e como tudo naquele lugar estava cercado de asas. Borboletas gigantes, cogumelos de todas as cores, um enorme cavalo prateado, os elefantes mágicos alados... Não, aquilo não era o nada. Era... a perfeição, a materialização do belo.

Enormes e imponentes árvores com copas repletas de flores de todas as cores. E logo ali, quase ao alcance de seus dedos, o enorme paredão de rochas coberto por heras venenosas, as pequeninas flores branquinhas no gramado, e o som da cachoeira.

Tentava esticar seus dedos, mas por mais que tentasse parecia inútil, o paredão não queria ceder. Precisava encontrar a entrada, ver de perto o que havia do outro lado. Tateava incansavelmente o paredão, com as mãos cobertas de sangue, ofegante e ansioso. Não adiantava, nada adiantava.

Quando se deu por vencido, deitado no gramado, olhando para o céu, as pequenas flores lhe contaram o segredo de onde se escondia a entrada, de como encontrá-la em meio às inúmeras camadas de heras. E quando se deu conta, lá estava ela, diante dele.

Raras flores brancas e róseas cresciam em meio às rochas ao redor da cristalina cachoeira, flores com um perfume único. Seus dedos loucos ansiavam por tocá-las, por tê-las. Seguiu na direção delas, sem enxergar mais nada, como se tudo tivesse acontecido apenas para que ele pudesse tocá-las, como se elas fossem a razão daquela aventura toda.

“Você precisa se lembrar...” sussurraram as águas da cachoeira.

E antes que seus dedos as alcançassem olha para os lados e vê-se diante da completa escuridão. Desesperado, põe-se a urrar, e debater-se.

“Por que? Por que?”, grita sem entender.

“Você precisa se lembrar...”, sussurra o vento.

Começa novamente a sentir seu corpo caindo, caindo... Veloz. E num salto acorda. Corpo suado, perdido. Olha ao seu redor e percebe que está dentro do quarto.
“Eu preciso me lembrar.” sussurra e volta a dormir.


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Comentários:

Difícil falar deste conto sem levar em consideração aquele outro que o gerou. O homem, perdido no sonho em seu desespero por encontrar um caminho que o livrasse da possibilidade de perder a pessoa que mais amava, por sua própria insistência em conseguir achar um, acaba caindo num abismo que representa o medo que ele tinha de sua vida tornar-se ela própria um abismo sem fim, onde ele continuasse caindo eternamente. No meio da queda ele é amparado por uma luz muito forte, que não só lhe dá asas, mas o envolve num acolhimento maternal, uterino. Seria este o amor enorme que a pessoa amada sentia por ele, tentando salvá-lo de perder-se completamente? Qdo abre os olhos ele se vê diante de criações fantásticas. Não seriam eles expressões daquele amor que sentiam? Uma força criativa tão forte, q ambos partilhavam um com o outro, e q se traduz em um mundo perfeito, em q tudo parecia certo, da mesma forma como nos sentimentos com relação ao mundo, qdo estamos perto de quem amamos. Tudo parece muito certo. Mas, qdo aquele amor finalmente mostra a ele o q realmente importa salvar, ele continua insistindo em lutar contra o inevitável, e quer a todo custo descobrir o q há por trás do paredão, achando que assim o salvará do abismo. Era o amor q o salvaria, o amor que sentia por ela, mesmo depois que ela partisse. Mas ele não queria deixá-la partir, tornando a presença dela em sua vida a força q o impedia de perder-se por completo, de ser engolido pelo abismo. Por isto insiste em procurar algo mais além do amor q tinham um pelo outro, algo além do mundo q estava diante dele, do mundo criado pelo amor dos dois. E aquele mundo quase implora q ele não se esqueça, q ele precisa lembrar-se. Mas, ele não precisa lembrar-se da entrada para o q há além daquele amor todo, ele precisa lembrar do q está ali, diante dele, pq é aquilo q irá salvar não ela, mas o amor dos dois, e desta forma, ambos. Mesmo q ela se vá, ainda existirá o amor, ligando-os, e fazendo com q se sintam vivos, mesmo q distantes um do outro. 


Rodrigo Ferreira | 21-12-2008 11:56:33 

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