terça-feira, 6 de novembro de 2012

In utero

Jellyfishbolw (por Sylphielmetallium)


Percebeu que não se recordava mais como chegara até ali, qual caminho a levara para dentro daquilo que agora considerava como “voltar ao útero”, no entanto não havia nada de materno naquilo tudo, pelo contrário, era a sensação de habitar o próprio útero.

Dias e dias seguiu conversando consigo mesma, ouvindo sua própria voz somente, suas próprias palavras e pensamentos. E no inicio isso tudo soava bobo, e inútil, soava entediante falar consigo mesma por horas a fio e revirar pensamentos em busca de assunto.


Depois veio o silêncio, a distração, por horas e horas, que se estenderam para dias, semanas, e um tempo que nem era mais capaz de contar, mas que lhe parecia uma eternidade. E às vezes cogitava dizer qualquer coisa, cantar uma canção, apenas pra ter a certeza de que a voz ainda existia, de que ainda tinha o mesmo som. Queria gritar, mas faltava-lhe a voz.

Sem noção de tempo e voz, veio a revolta, o medo e desespero. A sensação de esquecimento ainda persistia, não sabia como chegara ali, não sabia o porquê. No entanto permanecia a sensação de que era errado lutar contra aquilo tudo, querer sair antes do momento certo. E olhar pra fora era inútil, não havia nada lá fora.

Outras eternidades passaram, outros sentimentos foram e voltaram, e se foram novamente. E quando tudo parecia perdido, quando tudo parecia silencioso demais, deu-se conta de que estava olhando na direção errada, precisava olhar pra dentro, pra dentro de si, de sua mente, de seu coração, precisava entender as marcas que agora havia na sua alma pra finalmente entender como fora parar ali, e quais eram as razões daquilo tudo.

Foi então que fechou os olhos, e mesmo sem saber rezar fez uma prece, pedindo a qualquer divindade que fosse que se fizesse luz dentro de si pra que pudesse enxergar os caminhos, que lhe concede-se serenidade pra ver e aceitar tudo que estava por ser visto. E milagrosamente aconteceu.

Lembrou-se dos medos, de todas as mudanças, e de sentir-se congelada diante delas. Lembrou-se de toda a confusão, das inúmeras possibilidades de escolha. E tudo parecia tão rápido, borrões que passavam por ela em alta velocidade enquanto ela continuava estagnada na plataforma do medo, temendo por uma má escolha ou por arrependimentos.

E de repente percebeu que voltara ao útero, seu próprio útero. Percebeu que estava se protegendo de si mesma, de todas as dúvidas, de todos os temores. E só então se deu conta de quanto se amava, de que se aceitava e entendia como ninguém jamais o faria, e que mudanças sempre ocorreriam que era apenas questão de tempo pra se adaptar, pois elas eram necessárias. Não havia mais nada a temer, ela era sua casa, sempre teria a si mesma.

Logo uma luz forte surgiu, cegando-a. O útero acabara de se romper, nascia uma nova mulher.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Fênix

Fenix (por sasuke1977)


Quando me dei conta já não me reconhecia no espelho. Nada mais estava lá nem o sorriso, o brilho, os sonhos e a fé na vida. Era apenas um fragmento de mulher, um caco de um vaso quebrado, um caco de vaso vazio.

Não havia mais nada para se admirar, não havia planos, nem ambições. Passei tanto tempo sendo vítima do sofrimento onde me prendi que só não conseguia mais reconhecer a liberdade e a necessidade de mudança.

Confundiram-se os tempos, passado, presente, futuro eram apenas uma reta qualquer onde não era mais possível identificar o início e o fim de cada um deles.

Por fim sozinha, sem vontade de me reinventar, vi os dias passando diante dos meus olhos e eu era apenas uma assombração, um esboço de pessoa vagando entre as horas a espera de alguém pra me encontrar.

Não, não fui encontrada por ninguém, E sozinha no meu mundo fui inventando versões de mim, versões que tinha um final menos infeliz que o meu. No meu silêncio criei esse universo que crescia na minha cabeça e coração e que de tão imenso gritava por sair, por se libertar.

Nascia das cinzas a fênix, com a crença de que as mudanças não deviam ser temidas. Era apenas o começo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Delirium

Delirium (por Jacob Ankney)



Abriu a porta do banheiro, rejeitando o fato de que ele estava tomando banho, de que ia se molhar toda, de que aquele não era o momento. Abriu as portas do que agora era seu pequeno paraíso, pois era onde ele estava abrigado. Rejeitou o tempo, o medo, o adeus. Deixou a música entrar na sua alma, e o beijou, como se fosse a primeira vez, como se fosse a última.

E o tempo parou, o mundo se desfragmentou. Sentia o mesmo frio na barriga da primeira vez, o calor no coração. A mente indo pra longe, longe num lugar onde só havia paz, onde só havia amor. E foi feliz, por um segundo eterno foi feliz.

Até se dar conta de que estava apenas diante da tela, escrevendo apenas mais uma das cenas que só iria acontecer dentro da sua cabeça.